"Por onde eu começo?" é a pergunta errada
Existem perguntas melhores esperando para serem feitas, viu?
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Não existe nada mais revigorante do que começar algo novo.
A motivação que nasce quando abrimos uma página em branco, compramos uma tela nova ou decidimos, com uma paixão inigualável, que vamos tocar um instrumento musical ou aprender uma nova língua é algo único. Quase mágico, eu diria.
Mas também assustador.
Como adultos, queremos ser mestres naquilo que sequer começamos a fazer. Pior: ficamos tão confusos, com um milhão de perguntas na cabeça, e começamos logo pela pior de todas: por onde eu começo?
No artigo de hoje, parte integrante do Anatomia da Escrita, uma seção exclusiva para assinantes do Cafezinho Premium — mas que hoje decidi abrir pra galera— vamos falar sobre como existem perguntas melhores a serem feitas quando você quer começar a escrever. E de quebra, vou dar 3 dicas práticas para você encarar qualquer trabalho criativo sem estresse.
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Agora que já fiz o meu merchan safado, vou começar dizendo o que parece meio óbvio, mas que faz toda a diferença:
Começar algo novo é assustador
E só por isso, você merece todos os aplausos do mundo. Sério.
O ímpeto de começar é maravilhoso. A gente se sente invencível, capaz de tudo. Crochê, andar de skate, entender física quântica ou fazer manobras iradas de ioiô? Não importa. Nesse momento, tudo é possível.
Você pode aplicar essa lógica para qualquer coisa que queira fazer na sua vida, mas como aqui no Cafezinho falamos sobre literatura e escrita, vou assumir que você, até então somente um leitor, queira escrever um livro.
Será que você consegue?
A resposta curta e direta é a seguinte: sim, você consegue. A resposta que, talvez, você não queira ouvir é um pouquinho mais decepcionante: depende.
Eu sou da filosofia de que não existe nada que a gente não possa aprender com um pouquinho de vontade, algumas leituras interessantes e alguns vídeos no YouTube.
E prática. Muita, muita e muita prática.
No entanto, antes de começarmos qualquer atividade, um milhão de perguntas vêm à nossa cabeça:
E se eu não for bom o bastante?
Eu preciso mesmo fazer isso?
Por onde eu começo?
Quando essa última pergunta aparece, paralisamos e desistimos antes mesmo de começar. Somos tomados pela confusão, pelo desespero de não saber.
Terrível.
Mas eu vou olhar para você e dizer, na maior cara de pau, que...
Ficar confuso é bom
Agora é a hora que você fecha o artigo, deixa de assinar o Cafezinho — pelo amor de Deus, não faça isso — e vai me dizer, com uma pontinha de razão, que eu fiquei doida.
Talvez, mas o raciocínio é simples e faz sentido. E eu vou destacar o danado para ficar ainda mais claro:
Quando você fica confuso, esse é o maior sinal de que você está aprendendo. Ou de que alguma coisa está acontecendo na sua cabeça.
Abrace as cólicas mentais. Entenda, de uma vez por todas, que é bom não saber.
Quando você não sabe, você tem carta branca para descobrir. Vai me dizer que isso não é incrível? Poético, até?
Se você quiser levar algo deste artigo, aí está: abrace a confusão quando estiver fazendo arte. Ou qualquer outra coisa. E dê tempo para a confusão se sentir em casa.
Aliás, vá além: busque a confusão. A maioria das pessoas quer entender tudo, tim-tim por tim-tim. Não seja como elas. Busque se sentir confuso e deslocado, como se no passo seguinte você fosse cair no precipício.
Engajar com a dificuldade, buscando a confusão, vai deixar você mais criativo, mais questionador.
E com muito mais vontade de fazer perguntas.
Quais perguntas devemos fazer, então?
Todas elas. Ou quase isso.
No título, falei que "por onde começo?" é a pior pergunta para fazer se você quer iniciar qualquer trabalho criativos. Mais especificamente, para a escrita.
Quais perguntas, então, você deve fazer?
Veja bem, na escrita, você pode começar de qualquer lugar: do final, do meio ou início. Melhor ainda, você pode começar por desmembrar a ficção como algo maior que contém várias partes, como uma partitura.
Numa partitura, você tem compassos. E cada compasso contribui para o todo. Se eu errar um notinha, já era. Por isso, preciso estudar cada compasso de maneira isolada, depois no todo, para que tudo funcione.
Deu para entender onde quero chegar?
Na escrita, não pergunte "por onde eu começo?", mas sim "por onde eu quero começar?"
Além de ser mais simples, é mais assertivo, mais fácil de lidar. Por exemplo, tente perguntar:
Como começo a escrever uma cena?
Como começo a escrever personagens?
Como começo a escrever diálogos?
Assim, você pega aquilo que quer e transforma em algo para começar. Simples.
A segunda pergunta tem um cunho mais filosófico: o que eu quero com isso?
Você não precisa ter a resposta agora, no momento inicial da motivação super-humana que faz você alimentar a vontade de escrever um romance, um conto ou um roteiro de filme.
Mas, em breve, você vai precisar dessa resposta.
Quando eu comecei a escrever, sabia que queria escrever histórias que se passassem na cidade onde vivo. E sabia que queria escrever comédias românticas que divertissem as pessoas, mas que também fizessem elas pensarem, talvez chorarem.
Pode parecer pouco, mas para a Rachel de 14 anos, que era uma leitora ávida e sem noção alguma sobre como escrever romances, era bastante coisa, viu?
E hoje, mais de quinze anos depois, percebi que continuo querendo a mesma coisa. Com alguma sofisticação, com milhares de palavrinhas difíceis e muito mais repertório? Sim, mas ainda assim, a mesma coisa.
Acredite no poder das perguntas. E leve essa filosofia para a sua vida, para tudo o que você for fazer.
3 dicas para encarar qualquer trabalho criativo
1. Comece pelas perguntas, sempre
Mas comece pelas perguntas certas.
Perguntar por onde você quer começar é tão abstrato e absurdo quanto começar a estudar matemática por cálculo.
Então, antes de entrar de cabeça em algo, faça duas perguntas: "o que eu quero com isso?" e a maravilhosa "por onde eu quero começar?". Cole nessas perguntas feito um carrapato.
Porque essas duas respostas devem guiar você. Se elas concordarem, melhor, mas nem sempre isso é o que acontece.
Eu decidi tocar piano porque sempre tive uma paixão por música erudita. Eu queria entender esse tipo de música, que hoje não é tão popular assim, de dentro para fora. E queria me desafiar com algo difícil, que fosse de aprendizado lento, que de forma alguma eu pudesse monetizar.
Mas eu, que nunca tinha tocado piano na vida, também queria começar por Chopin, meu compositor favorito.
Dá para imaginar que não foi o que aconteceu, certo?
Na escrita, no entanto, você pode começar de onde quiser, seja pelo planejamento, pelo personagem, por uma cena, por um diálogo, pelo meio ou pelo final.
Mas nunca deixe de se perguntar, a cada livro, palavra e sentença: o que eu quero com isso?
Aposto que a resposta pode surpreender você.
2. Entenda que pode levar muito tempo
O ditado é certeiro: coisas boas levam tempo. Às vezes dias ou semanas. Às vezes, meses e anos.
E se você decidiu que quer escrever livros, precisa aceitar que pode levar muito tempo até que você termine algo. Ou, se terminar, pode levar uma eternidade até que você seja lido.
Não quero que você desista de escrever. Longe disso. Mas escrever não é uma tarefa fácil, ou mesmo divertida, para a maioria das pessoas.
Se ainda assim você quiser tentar, vá em frente. No entanto, seja gentil com o seu tempo.
É o melhor conselho que posso dar para quem quer encarar o mundo da escrita.
3. Aceite que a repetição é a sua melhor amiga
Me sinto uma velha reclamona, mas lá vai, pela milésima vez: a escrita é um ofício prático.
E para melhorar num ofício prático, você precisa repetir a mesma ação milhares, milhares e milhares de vezes.
Algo que a parcela mais jovem de escritores não entende é que o trabalho criativo nunca tem fim. Um livro nunca fica pronto, pelo menos não de verdade.
Essa repetição pode ser feita de duas formas: ou você pode escrever livros inteiros, muitas e muitas vezes e ver o que aprendeu, um processo que pode ser meio demorado, ou você isola as etapas do processo e repete cada uma delas.
Nos meus estudos de piano, descobri um termo ótimo: isolar o compasso. Isso significa tocar à exaustão não a música inteira, mas somente um pedacinho dela, até aquilo ficar gravado na sua cabeça. Até que se torne uma segunda natureza.
Crie personagens, tramas, descrições de coisas e pessoas, planejamentos e cenas até a escrita fazer parte da sua memória muscular. Até você chegar ao ponto em que o pensamento não seja tão necessário assim, somente a ação.
E você só consegue isso repetindo.
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