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Nada melhor do que começar essa nova seção do Cafezinho premium, a Anatomia da Escrita, com uma questão que, desde o início da minha atividade como autora, me assombra: por que a gente escreve?
De onde vem essa necessidade estranha de capturar sentimentos e pensamentos em sinais de entendimento comum, seja numa tela ou num suporte físico? Na real, vou mais longe: por que a gente, mesmo depois de milhares de anos, ainda insiste em escrever?
Pra entender isso, nesse primeiro Anatomia da Escrita, vamos seguir o roteiro:
Linha do tempo
Por que, afinal, escrevemos?
Como continuar escrevendo?
E no final, como acredito que nem todo escritor — e nem todo leitor — viva só de conceitos, vou dar 4 dicas práticas pra gente continuar a tradição e seguir escrevendo pelos próximos milênios. Ou quase isso.
Era uma vez…
Antes de descobrir por que a gente escreve, precisamos voltar um pouquinho no tempo, pra quando entendíamos o mundo por histórias. Ou melhor: por mitos.
Na Antiguidade, existia um mito pra tudo. Sério.
O mito era a nossa forma de explicar o mundo, de olhar pras coisas que a gente não entendia e formular uma explicação pra existência delas. E quando eu digo que os mitos abarcam tudo, não é figura de linguagem.
Pros gregos, a nossa galáxia nasceu porque Zeus precisava amamentar Hércules.
Apesar de parecer bizarro, explico: ele sabia que Hera, sua esposa, jamais aceitaria alimentar um de seus filhos bastardos, então teve a brilhante ideia de colocar Hércules pra mamar enquanto ela dormia. Numa dessas, Hera acordou da soneca, viu um semideus mamando no próprio seio e empurrou o menino, que cuspiu leite pra todo lado.
A cusparada foi tão forte que o leite foi parar no firmamento. E ficou rodando, rodando e rodando. Infinitamente.
Pros gregos, assim nasceu a Via Láctea — ou, se você preferir O Caminho do Leite.
Resumindo: desde as nossas origens, entendemos o mundo por meio das histórias.
O mito perde um pouquinho de força com o surgimento da Filosofia, principalmente com a chegada dos filósofos pré-socráticos.
Pra essa galera, o mundo nascia de uma substância única — que variava de filósofo pra filósofo —, e podia ser explicado racionalmente, sem levar tanto em conta a vontade ou a ação dos deuses.
Nessa época, a gente começa a abandonar um pouquinho as histórias e a olhar mais pro lado racional, buscando sempre o tal do elemento que daria origem a todo o resto.
Tales de Mileto, o cara que é considerado um dos pais da filosofia, acreditava que tudo vinha da água. Um discípulo dele, chamado Anaximandro, refutou isso e apostou no ápeiron — um conceito de indefinido. Outro filósofo, Anaxímenes, dizia que tudo vinha do ar. E assim por diante.
No início, recorríamos ao mito. Depois, colocamos o mito um pouco de lado, mas sem nunca esquecê-lo de verdade.
E onde entra a escrita nisso?
Em basicamente tudo.
Quando a gente começou a usar a escrita, ela era só mais um instrumento pro comércio. Ou melhor: uma ferramenta pra documentar transações. Escrever era difícil, levava tempo para aprender a acumulava um espaço gigantesco.
A escrita cuneiforme, que nasceu no período mesopotâmico, foi uma das primeiras formas de escrita codificada e, de certa forma, portáteis, da História. Na época, os caras escreviam — ou melhor, pressionavam a cunha — em tabuletas de argila que, depois, eram assadas e guardadas. Ou carregadas por aí.
Ser escriba, nesse tempo, era uma posição de destaque na sociedade porque a escrita não era pra todo mundo. Dava uma trabalheira danada ter que aprender a cunhar cada símbolo e, com o comércio crescendo na Mesopotâmia, era uma profissão valorizada pra caramba.
Mas mesmo com todos os avanços que tivemos, não paramos de pensar em histórias. Inclusive, um dos primeiros épicos que temos notícia, A Epopeia de Gilgamesh, história de um rei de Uruk que busca a imortalidade, foi escrita todinha em tabuletas de argila.
Retorno ao argumento central desse artigo: desde a Antiguidade, pensamos e entendemos o mundo por histórias. Por mais que a escrita tenha sido utilizada, num primeiro momento, como um instrumento pra transações mais práticas, a gente sempre olhou pras histórias com carinho.
E conforme o tempo foi passando, a escrita ocupou esse lugar.
Afinal, por que escrever?
Deixando a História um pouco de lado — apesar de ela responder boa parte dos nossos anseios e dúvidas quando o assunto é escrever —, escrevemos pelos mesmos motivos que escrevíamos há milhares de anos.
E se você duvida, vou provar o contrário.
Escrevemos pra lembrar de datas importantes, de coisas que precisamos fazer, de ideias que temos no meio da madrugada, de citações de livros e filmes que falam diretamente com a gente.
Escrevemos pra aprender. Seja uma língua estrangeira, um conceito, uma matéria na escola ou na universidade. Da escrita, nasce o aprendizado, que leva ao conhecimento.
Escrevemos pra emocionar. Poemas, romances, contos e todo tipo de ficção — e até algumas categorias de não ficção — nasce com o objetivo de causar alguma emoção em quem lê. Nem sempre a emoção é boa, mas ela é o objetivo final.
A escrita, nesse sentido, é o ponto inicial de tudo.
Todo filme começa num roteiro. Algumas músicas começam com a melodia, é verdade, mas grande parte delas começa com uma letra. Se você for pensar num livro, numa história em quadrinhos, num tweet ou num post, o processo é o mesmo: escrita.
Sendo assim, respondo à pergunta que me assombra e que eu trouxe lá no início desse artigo: escrevemos porque precisamos. Porque, como sociedade e como indivíduos, não sabemos nos reconhecer sem a escrita.
Esse é o motivo que me faz ser apaixonada por cada aspecto desse verbo tão vasto — e tão particular — que é o escrever.
E pra finalizar essa carta de amor à escrita, vamos às
4 dicas práticas pra continuar escrevendo
#01 Seja obcecado por escrever
Um dos lemas de Leonardo da Vinci era ostinato rigore, que pode ser traduzido como “rigor obstinado”.
Eu sou uma defensora ferrenha das obsessões saudáveis. Sabe aquela coisa que você gosta tanto, mas tanto de fazer, que parece que o tempo voa? Pronto, essa é a sua obsessão saudável.
Quando você não estiver escrevendo, pense em escrever. Respire a escrita. Se a sua obsessão saudável for mesmo a escrita, ser lido, publicado ou apreciado vai ser um prazer supérfluo frente ao prazer da escrita.
#02 Não pense só em escrever
Esse é o segredo das obsessões saudáveis: elas dominam boa parte dos seus pensamentos, mas não todos eles.
Como diz Henry Miller, em seus 11 mandamentos de escrita, você precisa se manter humano. Ver amigos, visitar lugares novos e fazer aquilo que você tem vontade também mantem você no caminho da escrita.
#03 Procure padrões nas suas leituras
Tudo o que você gosta de ler, chama a sua atenção por um motivo específico e exclusivamente seu.
Não é sempre, mas muitas vezes o que você gosta de ler está muito próximo daquilo que você gostaria de escrever. Ou mesmo daquilo que você já escreve. E vá além: o que você lê? Como lê? Você prefere livros mais estruturados? Menos? Mais ficção, mais não ficção?
Identificar padrões de leitura são uma mina de ouro para a sua escrita.
#04 Crie estruturas antes de escrever
Fica muito mais fácil escrever quando você sabe pra onde está indo.
O nível de detalhamento da sua estrutura vai depender daquilo que você se sente mais confortável fazendo. Algumas pessoas preferem detalhar cada passinho do processo. Outras, preferem ter uma visão geral e se jogar de cabeça no texto.
A estrutura, como a sua escrita, é algo extremamente particular. Se você ainda não descobriu a sua, faça o teste.
Escrevemos, também, para experimentar quem queremos ser.
Algumas leituras que fiz pra escrever esse artigo:
O Mundo da Escrita - Martin Puchner
História da Filosofia Ocidental - Bertrand Russel
Os Mitos Gregos - Robert Graves
Maestria - Robert Green
Leonardo da Vinci - Walter Isaacson
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