Sobre o medo de rabiscar em livros
Esse é o único jeito de fazer um livro ser seu de verdade
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Assumo que sou uma destruidora de livros.
Escrevo, desenho, rabisco, colo post-its grandes demais e bandeirinhas coloridas de procedência duvidosa em quase todos os meus livros. Eu destruo lombadas, dobro as páginas, encho as margens com pontos de interrogação, de exclamação e faço comentários, resumos e, às vezes, elogios e xingamentos aos argumentos do autor.
Mas durante boa parte da vida, tive medo de escrever nos meus livros. Principalmente durante a adolescência. Se você entrar na minha casa e pegar qualquer livro desse período nas minhas estantes, vai encontrar páginas vazias. Nenhum rabisco, nenhuma anotação. Nada.
Por isso, no Anatomia da Escrita de hoje, decidi falar sobre esse tema que é tão caro para mim e que tento erradicar em novos escritores: o medo de escrever em livros.
E depois disso, como a escrita é uma disciplina prática, vou dar 5 conselhos para você começar a escrever nos seus livros sem sofrimento.
Mas antes, um merchan safado:
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Um debate que divide a internet
Como tudo na internet, existem defensores ferrenhos de manter os livros intocáveis e outros, dos quais eu faço parte, que não pode ver um livro que já quer encher de post-its, considerações, marcações e comentários.
E por que isso existe?
A explicação vai parecer rasa, mas peço paciência.
Assim como eu gosto de clássicos, você, aí do outro lado da tela, pode gostar de livros de suspense. Ou de terror. Ou de livros de não ficção que ajudam você a resolver uma questão da sua vida, seja ela de qualquer ordem.
Da mesma forma como eu gosto de chá de hortelã, você pode preferir o de erva doce. Ou passar reto pelos chás e escolher um café bem forte, ou um cafezinho com leite e bastante açúcar. Ou adoçante. Ou nada, na verdade.
Acho que ficou claro onde quero chegar, não?
Pessoas diferentes têm hábitos, rotinas e preferências diferentes. Quando falamos de literatura, a mesma lógica permanece.
No entanto, quando o assunto é escrever em livros, percebo uma resistência gigantesca dos puristas, aqueles que mal abrem o livro para não estragarem a lombada.
Por mais que eu esteja na outra trincheira, entendo de onde venha esse sentimento.
Por que, afinal, temos medo de escrever em nossos livros?
Eu poderia enumerar milhares de razões, mas vou com aquela que mais acredito: a razão histórica.
Se a gente olhar para a cronologia humana, vamos perceber um fato curioso sobre os livros: apesar de terem sido inventados na Antiguidade — a data é incerta, mas os estudiosos estimam algo por volta de 3.000 a.C. —, os livros passaram por diversos formatos.
Começaram como tabuletas de argila, na Mesopotâmia e evoluíram para o papiro e para o pergaminho, ainda num formato de rolo, ali na região da Turquia. No século XII, os chineses trouxeram o papel, os livros viraram códices — do latim codex, que literalmente significa “livro” — e, mesmo com essa evolução no suporte e no formato, os livros eram todos manuscritos por monges, copiados à mão mesmo.
É fácil imaginar a trabalheira e o tempo que isso levava, não?
No século XV, Gutenberg cria a prensa com tipos móveis e, de certa forma, o livro finalmente se tornou o que é hoje. Ou quase isso.
O livro, antigamente, era difícil de conseguir. Mesmo com a prensa, que agilizava o processo de manufatura, cada página tinha de ser montada, letrinha por letrinha. O livro era um artigo que deveria ser forjado, quase como uma espada. E o processo, claro, não era tão barato assim.
Dito isso, é fácil imaginar quem, nessa época, tinha mais acesso aos livros. E por que, com toda razão, escrever neles não era lá muito indicado.
Aliás, existe uma história maravilhosa sobre isso. Dizem que Petrarca, ele mesmo, o poeta italiano que basicamente inventou a forma do soneto, comprou de um grego A Ilíada, de Homero, em dois volumes manuscritos, no ano de 1354. Petrarca, que não entendia nada de grego, naturalmente não podia ler A Ilíada. E sobre isso, escreveu numa carta: