Um email pra dizer que eu zerei a vida
Nesta edição: sobre elogios que importam, reconhecimentos e desafios
Na última semana, o primeiro capítulo do meu futuro romance recebeu elogios do professor Luiz Antonio de Assis Brasil. Sim, o escritor desse livro aqui.
Se você nunca participou de oficinas de escrita, aí vai como elas funcionam: você escreve um conto, um capítulo ou um poema e o professor projeta no telão pra que a turma possa comentar, apontar pontos fortes e pontos que precisam melhorar. Sei que parece assustador, mas juro que depois da segunda vez não é tão horrível quanto parece.
Mas a história não é sobre como funcionam oficinas literárias ou sobre se vangloriar por receber elogios de alguém importante na frente da turma.
A história é sobre receber elogios de quem a gente admira, num assunto que a gente ama. Se você já passou por isso, sabe do que estou falando. Se ainda não passou, posso garantir que a sensação é indescritível. É, eu zerei a vida.
E aos curiosos de plantão: o primeiro capítulo é de um romance ainda sem nome, mas em fase de planejamento. Trarei mais detalhes em breve.
Sobre Os Doze Pretendentes: sigo firme na escrita. Sei que isso parece repetitivo pra quem vê de fora, mas depois de planejar, quem escreve precisa abaixar a cabeça e trabalhar. A história de Elise e Hugo é super divertida, apesar de ter momentos dramáticos aqui e ali. Do jeitinho que eu gosto.
Atualizando 🤓
📚 Lendo Il Barone Rampante, de Ítalo Calvino — uma história incrível sobre um menino de 12 anos que sobe numa árvore e decide nunca mais descer —, e As Margens e o Ditado, um conjunto de ensaios de Elena Ferrante.
📹 Assisti Gal. Gostei, mas esperava mais.
🐎 Me lembrei dessa música aqui.
🎖️ Meu miniconto foi menção honrosa no 12º Concurso Literário da Academia Madureirense de Letras do Rio de Janeiro. Confesso que me senti chique.
Canto da Escrita ✏️
Tudo é material pra gente escrever.
Ali em cima, eu disse que fui menção honrosa num concurso literário. E já que estamos falando sobre isso, deixo aqui o texto que escrevi:
Riscos
Sozinho no ateliê, delineou a curva do nariz dela com a precisão. Tinha as mãos repletas de argila, os dedos trêmulos pelo êxtase de esculpir. Se o Diabo estava nos detalhes, Deus habitava a argila, as formas delicadas, o busto que ele tão diligentemente esculpia todos os dias, tão logo a manhã raiava. Quando as luzes atingiam o ponto certo, o ateliê inteiro se iluminava e, no centro de tudo, a figura dela pulsava com a vida própria da criação. Naqueles instantes gloriosos de silêncio perplexo, com as mãos grossas por conta da argila, ele acreditava que nem Pigmaleão faria melhor. Mas o processo estava terminado, enfim.
Fisicamente, afastou-se apenas o suficiente para admirar o trabalho concluído, as proporções estudadas, o rigor essencial da beleza. Emocionalmente, no entanto, estava atado a ele. Suas digitais deixavam rastros nos lábios de boneca malcriada, na testa altiva, nas maçãs proeminentes e no rosto alongado. Cada parte era um agente daquela lembrança que se projetava nas paredes do ateliê feito as inquietas sombras que o acompanhavam. Era tão somente uma beleza desinteressante que ele, com a ponta dos dedos, elevara ao sublime.
Mas então, desceu o punho sobre o busto com força. A argila se infiltrou por entre seus dedos, invadiu os espaços que ele sequer imaginava existirem. Socou a argila uma, duas, três vezes, até a bela cabeça não passar de um amontoado de matéria-prima irreconhecível.
Aos poucos, o coração retornou ao ritmo normal. A massa amorfa o encarou do alto de seu pedestal, desafiadora em sua complexidade silenciosa. Vencera-o outra vez, como sempre. Ele fechou os olhos por alguns instantes turbulentos que, por fim, desaguaram em calmaria.
Recomposto, sentou-se à mesa e recomeçou o processo laborioso de brincar de Deus.
Se eu quisesse ser legal, poderia dizer que escrevi esse miniconto a partir de um sopro de inspiração, que as palavras me vieram num sonho ou que foi tudo fruto de muita reflexão sobre o papel do artista no processo criativo. Não foi.
Esse texto nasceu da leitura de um outro texto bem teórico — e às vezes bem chato — sobre o papel do criador na obra de arte. Se não me engano, o autor do texto é Antoine Compagnon, escritor de O Demônio da Teoria, que conheci na disciplina de Fundamentos dos Estudos Literários.
Ou seja: tudo é material pra você criar coisas. Aliás, aí vai um desafio pra essa semana: tente encontrar algo comum ou chato — um texto, um comercial — e tente criar algo em cima disso. Aposto que você vai se surpreender com o resultado.
Até a próxima! ✨
O Cafezinho é uma newsletter 100% apoiada pelos leitores. Se você já assina e gosta do conteúdo, você pode apoiar ainda mais o meu trabalho comprando meus livros na Amazon ou indicando essa newsletter pra um amigo :)