Não existe rebeldia sem disciplina
E quem me ensinou isso foi um titã mitológico e um barãozinho esquisito
Recentemente li Prometeu acorrentado, de Ésquilo, e recebi a confirmação de uma ideia que eu já alimentava há bastante tempo.
Antes de tudo, essa não era uma leitura que estava nos meus planos. Por mais paradoxal que seja, levo todas as leituras exigidas pela faculdade como mera sugestão.
Corta para o início do semestre. Quando escolhi a disciplina de Teorias do Drama, o primeiro pensamento foi o seguinte: não vou ler tudo.
Horrível? Talvez, mas como trabalho oito horas por dia e faço um milhão de outras atividades, não me senti culpada. A maturidade me ensinou, também, que algo sempre fica para trás, de uma forma ou de outra.
Mas aí eu tive a primeira aula e mudei de ideia: decidi ler tudo, ou pelo menos o máximo possível. Admito que grande parte disso foi motivado pela professora Janaína, que além de ser uma inspiração em todos os sentidos também é quem, em grande parte, me motivou a pensar numa carreira acadêmica com mais seriedade. Quem tem aula com a Jana, sempre sai da sala com um pouquinho mais de esperança na literatura. Ainda bem.
Mas voltemos a Prometeu.
Caso você nunca tenha ouvido falar sobre a história, faço um breve resumo: Prometeu, um titã, rouba o fogo dos deuses e presenteia a raça humana com ele. O fogo permite que os humanos se desenvolvam, para a fúria de Zeus, o recém empossado senhor do Olimpo. Como punição pela afronta, Prometeu é acorrentado a um rochedo e condenado, por toda a eternidade, a ter o próprio fígado devorado por uma águia.
Coisa leve, do jeitinho que os gregos gostam.
A peça começa no instante em que Prometeu é acorrentado ao rochedo por Hefesto. E ao longo de duas horas, apesar de todos os apelos dos deuses e de outras divindades, Prometeu se recusa a pedir perdão para Zeus e a revelar a identidade da mulher com quem o rei do Olimpo terá um filho que virá a destroná-lo.
Não preciso dizer que tudo isso leva, invariavelmente, a um final trágico.
Mas como eu, uma mulher do século XXI, posso me sentir tão próxima a um titã mitológico de uma peça escrita há milhares de anos? Não sei, vai ver é a força da boa literatura, ou o fato de eu ser teimosa e cabeça dura como Prometeu. Minha mãe, com toda a certeza, concordaria com a segunda opção.
No entanto, o que mais me encantou na peça foi ver, com força impressionante, a comprovação de uma crença que carrego comigo:
Nada exige mais disciplina do que a rebeldia.
Prometeu é inflexível em sua fé no futuro, apesar das incertezas. Por ser um titã com a habilidade de prever os tempos vindouros, ele sabe que dali a muitas gerações será libertado pelo filho gerado por Zeus, aquele tal de Hércules que, consequentemente, tomará o lugar do pai.
Por isso, Prometeu nega toda a ajuda, todos os apelos, tudo. Ele assume a rebeldia de forma tão disciplinada perante a autoridade de Zeus que isso se torna uma lição. E um alento para os teimosos de plantão.
Rebeldia por rebeldia é fácil, mas se manter constante numa crença que desafia a autoridade ou o senso comum é uma tarefa titânica, com o perdão do trocadilho.
E essa constância não precisa ser grandiosa. Pode ser silenciosa, pequena como a decisão de nunca mais descer de uma árvore, como a do barão Cosimo Piovasco di Rondò, personagem de Ítalo Calvino em O barão nas árvores (Il barone rampante).
Prometeu e Cosimo me ensinaram a não me condenar tanto pela minha teimosia, pelo meu gênio ruim e pelas escolhas que fiz e continuo fazendo. Por mais absurdas que elas pareçam aos outros, é preciso entender que até a loucura alheia possui certa lógica.
E ainda bem que não precisei ser acorrentada a um rochedo ou me recusar a descer de uma árvore para entender isso.
Até a próxima! ✨