
Durante boa parte da vida, Albert Camus, filósofo e escritor franco-argelino, se sentiu um estrangeiro no mundo. Tanto na França quanto na Argélia, era visto como um estranho por suas opiniões conflitantes: desejava o fim da opressão colonial na Argélia, mas sem o desligamento total da França.
Basicamente, uma contradição caminhante. Quase absurda demais para ser real.
Inclusive, grande parte da filosofia de Camus ficou centrada no estudo do absurdo. Para ele, a relação do ser humano com a natureza seria sempre absurda, sem nada que pudéssemos fazer para mudar isso.
Camus nos ensina algo importante: é impossível dissolver o absurdo da vida, restando apenas a possibilidade de conviver com ele.
Mas antes que você durma, prometo que não vamos falar sobre filosofia hoje.
Comecei o Cafezinho de hoje com Camus e o absurdo porque, recentemente, percebi que, mais absurdo do que viver, só escolher aprender um novo idioma depois que somos adultos.
Como assim?
Tive a sorte de ter uma avó que, durante anos, foi professora de inglês. Boa parte das minhas memórias de infância com ela envolvem conversas em inglês sobre o meu dia, sobre as minhas amigas e sobre a escola. Isso sem contar as aulas de inglês no colégio, no currículo do ensino médio.
Todos nós já tivemos contato com uma outra língua em ambiente escolar.
Ainda assim, existe uma diferença absurda — olha ele aí, o absurdo, de novo — entre escolher aprender um idioma estrangeiro e ter um idioma estrangeiro empurrado em nossa direção.
O inglês não foi uma escolha minha. Concordo que seja útil e que, em termos de aprendizado, abre muitas portas.
Mas, reforço, não foi uma escolha minha. Diferentemente do italiano.
Minha história com italiano começa com a literatura. Aliás, é difícil imaginar qualquer coisa na minha vida que não comece com a literatura.
Ainda assim, com o italiano foi ainda mais potente.
Tão logo finalizei o primeiro volume da Tetralogia Napolitana, A Amiga Genial, ri e pensei: "seria interessante ler isso aqui no original". E, pronto. Depois que a ideia foi plantada, não tem mais volta.
Nesses dois anos em que me dediquei ao italiano — e que ele se dedicou a mim, pelo menos um pouquinho —, fui obrigada a conviver diariamente com o absurdo da vida, com uma infinidade de conceitos, regras e pronúncias que, pelo menos num primeiro momento, não faziam sentido algum.
Por escolha minha, incorporei o italiano em tudo o que eu faço. Meu computador, meu celular e meu videogame estão em italiano. Se eu preciso ler um livro para a faculdade, eu procuro ler em italiano. Música, séries e YouTube? Tudo em Italiano.
Em dois anos, eu estudei — e ainda estudo — como uma maníaca. Por quê? A resposta é simples: foi a língua estrangeira que eu escolhi para ser a minha língua estrangeira. Porque talvez, no futuro, eu gostaria de escrever artigos sobre literatura italiana e tentar uma carreira acadêmica. Ou talvez fazer um intercâmbio. Ou ganhar na Mega Sena, comprar um apartamento na Itália e virar uma nômade digital.
Mas onde é que entra o absurdo nisso tudo?
Enquanto eu estudava, principalmente sozinha, aprendi a aceitar os absurdos da língua italiana. E a não me importar tanto com aquilo que eu não entendia.
Ninguém começa falando uma língua pelo modo subjuntivo, né?
Mas conforme o tempo passa e vamos entendendo — e aplicando — conceitos que pareciam impossíveis antes, vamos crescendo. Fica mais fácil conviver com o absurdo de não saber. E é aí que mora o perigo.
Há mais ou menos um mês, senti que o meu italiano tinha atingido um platô. É algo bem comum em níveis intermediários, e difícil de ser superado. Minhas habilidades de leitura e compreensão estavam boas, mas eu sentia que a conversação e a escrita precisavam de um gás.
Eu queria melhorar, mas não queria fazer isso num ambiente controlado. Por mais que eu adore o meu professor e os meus colegas de italiano, eu precisava de um tratamento de choque. Como sempre, eu queria a opção mais difícil.
Por isso, entrei num servidor do Discord com pessoas do mundo inteiro que querem aprender italiano — e com nativos amigáveis dispostos a ajudar — e, sem pensar muito, entrei no chat de voz.
No último mês, conversei com italianos, marroquinos, portugueses, colombianos, suecos, ingleses, alemães, franceses, argentinos e pessoas de tantas nacionalidades que sequer consigo me lembrar. O melhor? Toda a conversa aconteceu em italiano. A compreensão foi 100% perfeita? Não, mas nos entendemos, pedimos para repetir, nos explicamos. E nos xingamos também, porque a experiência de jogar Overcooked é a mesma em todas as línguas:
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Mas isso tudo só aconteceu porque eu não tive medo de abraçar o absurdo, não tive medo de não entender.
Absurdo mesmo, de verdade, é você querer entender tudo, o tempo inteiro. Como nas reuniões do servidor, onde algumas pessoas, durante a leitura de um texto qualquer em italiano, queriam a tradução exata de cada palavrinha.
O texto de hoje foi longo, então fico por aqui. Mas, como sempre, faço um apelo: se abra para não entender, abrace a ambiguidade — e o absurdo — da vida, seja na língua que for.
Até a próxima! ✨