Nunca volte a um lugar onde você foi muito feliz
Da série: conselhos que não tenho a intenção de seguir
Nunca fui muito fã de viajar.
Enquanto a maioria dos meus amigos acompanhava com a constância de um relógio suíço o preço das passagens, de pacotes turísticos e de hospedagens, eu tinha preguiça de sequer pensar em passar mais do que duas horas num avião apertado.
Amante da rotina, as viagens nunca me atraíram. Quer dizer que, para ver o Cristo Redentor, as pirâmides ou qualquer outra maravilha da humanidade, eu preciso comprar passagens, arrumar as malas, pensar em onde vou ficar e ainda por cima criar um roteiro para ver tudo em tempo hábil?
Não, muito obrigada.
E vou além: sempre olhei com desconfiança para as pessoas que só pensam em viajar, cuja única meta de vida é conhecer o maior número de países possível. Nunca entendi ao certo o porquê dessa minha resistência, até que Marco Aurélio, o imperador romano, veio em meu socorro.
Em Meditações, Marco Aurélio é certeiro: aquele que só pensa em viajar e conhecer lugares bonitos é alguém que está constantemente fugindo de si mesmo. O imperador afirma que podemos viajar para o outro lado do mundo, mas ainda seremos nós mesmos, com os mesmos problemas, as mesmas ansiedades, os mesmos vícios e as mesmas paixões. Viagem, para ele, é fuga.
Como bom estoico, Marco Aurélio sugere, em vez das viagens longínquas, o retiro para dentro de si, mas o recado foi dado.
A Rachel de Porto Alegre é a mesma em Roma, em Tóquio, Sidney ou Moscou. Talvez com um pouco mais de glamour e com uma conta bancária arrasada? Talvez, mas ainda assim a mesma. Eu, feliz ou infelizmente, estou fadada à minha própria companhia até o fim.
Mas chega de filosofia.
Agora deveria ser o momento de virada no artigo, o momento no qual revelo que passei duas semanas viajando pelo sul da Itália e que tudo o que eu acreditava saber sobre viagens estava errado. Que Marco Aurélio, tão estoico, deveria relaxar um pouco.
Quem me dera.



Durante a viagem, mal consegui formular um pensamento. Na Itália, além de pensar constantemente num segundo idioma — às vezes, até num terceiro, porque o inglês nos acompanha feito um carrapato —, vi paisagens lindíssimas, caminhei mais de 20 quilômetros por dia, visitei mais igrejas do que um peregrino medieval, comi muito bem, descobri que adoro polvo, que enjoo em barcos e que sou muito mais paciente com os outros do que eu imaginava.
Em resumo, descobri tanto sobre mim mesma que ainda é difícil catalogar tudo. Ainda bem que a escrita, essa atividade que se alimenta do retrospecto, vai ser paciente para as reflexões que ainda vou ter, para a pessoa que ainda vou me tornar.
No entanto, como boa teimosa que sou, não solto a mão de Marco Aurélio quanto às viagens. A Itália me ensinou muito sobre mim — e sobre os outros —, mas a ausência de tempo para refletir é algo que me fez falta. Só agora, uma semana depois, estou voltando ao ritmo da rotina, pensando em tudo o que aconteceu e com uma desconfiança agridoce de que, a partir de agora, tudo vai ser anticlímax.
Ainda assim admito, depois de ser tão feliz, que uma viagem para um lugar que eu realmente ame não é nada mal. Fugir um pouco, para depois voltar e refletir, faz a gente crescer. Espero que Marco Aurélio, tão estrito consigo mesmo e tão leniente com os outros, quebre essa para mim.
Acho que foi Rubem Alves quem disse que não devemos, jamais, voltar a um lugar onde fomos muito felizes. Que isso destrói a nostalgia da memória perfeita, que nunca vai se equiparar às cores lavadas da realidade.
Rubem que me perdoe, mas pela Itália, estou disposta a correr esse risco.
Até a próxima! ✨
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Recentemente li Prometeu acorrentado, de Ésquilo, e recebi a confirmação de uma ideia que eu já alimentava há bastante tempo.
Rachel, eu amo viajar! Acho que como você disse, adoro fugir de mim haha.
Amei acompanhar um pouquinho sua viagem!!! 🩷