
Odeio começar textos com fórmulas requentadas, mas dessa vez vai ser necessário: quem me conhece sabe que eu sou uma máquina de escrever.
Não existe absolutamente nada que eu goste mais de fazer do que escrever. E olha que eu já procurei, viu?
Quando decidi ser redatora publicitária, o amor pela publicidade não entrou na equação. Nunca sonhei com prêmios internacionais, agências grandes e o glamour que envolve a profissão. Aliás, quando a publicidade começa na televisão, sou a primeira a apertar a tecla mute.
É aquela velha história: casa de ferreiro, espeto de pau.
Escolhi a publicidade porque descobri, no meio do curso de Design (!), que existia uma pessoa que era paga para escrever textos. Anúncios, jingles, peças para redes sociais, roteiros de propaganda e todo o resto deveria passar pela figura do redator, alguém cujo dia a dia é literalmente — com todas as ênfases do mundo — escrever e reescrever.
Mas antes de ser publicitária, sempre fui escritora de ficção. Como diria Oscar Wilde, quando sabemos exatamente o que queremos fazer da vida, essa é a nossa punição. Não existe escapatória para quem decide usar a máscara da própria escolha.
No entanto, de uns tempos para cá, comecei a duvidar disso. Mais uma vez. Exatamente como fiz em fevereiro e escrevi esse artigo, quando estava 100% sem direção e com vontade de nunca mais escrever uma linha:
E não é que o sentimento, maldito, voltou?
O estopim: na semana passada, finalizei oficialmente Os Doze Pretendentes, meu próximo livro. Reescrevi, revisei, fiz o que pude e, agora, deixo nas mãos das profissionais competentes que vão melhorá-lo.
E aí vem o problema: quando fechei o documento percebi, com um assombro gritante, que era a primeira vez que eu não tinha uma história engatilhada. Que à noite, quando eu deitava a cabeça no travesseiro, nenhuma ideia de narrativa se apresentava. Nada.
Mas o que me pegou foi ver que desde março, quando finalizei o primeiro rascunho de Os Doze Pretendentes e comecei a reescrita, não me envolvi com nenhuma nova história, algo comum no meu processo.
Como assim eu não tinha escrito nada de novo? Como eu, a máquina de escrever, aceitava aquilo? Fiquei incomodada. Acessei o meu banco de histórias, decidida a escrever algo, qualquer coisa, mas nada do que encontrei ali me agradou. Não me reconheci naquelas tramas divertidas, nas personagens que antes teriam me trazido tanto prazer. Comecei a avaliar os temas da minha escrita com olhos de leitora — eu, que não leio comédias românticas ou muita ficção de entretenimento — e achei tudo bobo.
O segundo sinal de alerta soou.
Sentei, respirei fundo e busquei um motivo. O melhor que encontrei foi esse: há seis meses, meu relacionamento de cinco anos terminou. Quem diabos vai querer escrever sobre almas gêmeas e romance depois de um término?
É justo. Talvez eu só precise me apaixonar para voltar a escrever. Mas e se não acontecer? Ou pior: e se acontecer e não for suficiente? E se isso não tiver nada a ver? E se a fonte das comédias românticas tiver secado?
Aí veio o motivo real do meu parafuso: se eu não escrever comédias românticas — o que eu, modéstia à parte, sei fazer muito bem — o que vou escrever? Será que sei escrever outras coisas? Será que quero escrever outras coisas? Será que ainda quero escrever?
O debate, ao contrário do artigo que publiquei em fevereiro, não era mais externo, sobre escrever ou ser escritora, mas interno: eu comigo mesma, com a minha vontade de escrever. Ou a falta dela, no caso.
Aí a porca torceu o rabo. Entrou em cena o desespero, a sirene de ambulância, o som de explosão e de gritos. E esse meme, que representou bem o meu sentimento:
Desesperada, pedi conselhos a um dos professores da Escrita. Conversamos por cerca de uma hora, talvez mais, e expus tudo o que escrevi aqui. Ele ouviu com atenção, disse que era normal os escritores mudarem processos e crenças ao longo do tempo, mas também foi enfático: era besteira eu achar que sabia escrever só um subgênero, ou que nunca mais escreveria comédia romântica.
Quem escreve muito — e há muito tempo —, disse ele, passa por isso em algum momento. É normal querer revisitar projetos e processos artísticos, olhar para o que produzimos e, de repente, achar que não serve. É normal nutrir incertezas sobre o futuro, mas nunca sobre o ofício em si.
E me deu um conselho de ouro, que tento reproduzir aqui:
Se o fato de não escrever não te incomodasse, a gente não teria essa conversa. Você acabou de escrever um livro. Descansa. Quando o projeto certo aparecer, tudo vai entrar nos eixos. A vontade de escrever sempre volta, de um jeito ou de outro.
Palavras simples, mas que ressoaram.
Naquela segunda, também confessei que queria trabalhar o subgênero de forma diferente, em romper com tudo o que eu já tinha feito, em me afastar do que os outros faziam. Eram histórias estranhas, sobre um apocalipse zumbi em Porto Alegre, sobre uma expedição de cientistas brasileiros atrás das joias da coroa britânica e até sobre um cara que descobre que a filha é a fada do dente.
O professor Bernardo, sempre um querido, sorriu e disse:
— Viu? As boas histórias sempre dão um jeito de encontrar a gente.
E tudo se encaixou. Saí da sala com a cabeça fervilhando de ideias familiares e desconhecidas na mesma medida. Sem desespero, me sentei e comecei a planejar algo que ainda não sei muito bem o que é, mas que existe.
Não sei o que o futuro me reserva em termos de escrita, mas sei que ele vai ser bom.
Até a próxima! ✨